Lamentar, arte espiritual perdida

13.3.08


No meu tempo devocional diário, acabei de ler, meditar e orar com o livro de Jeremias e agora estou ( me deliciando ) em Lamentações.

Lamentar é uma arte espiritual perdida. Primeiro, é confundida com reclamar, murmurar, ranzinzar. Lamento é coisa de coração partido. Quem lamenta a Deus , biblicamente falando, lida com o pecado. Quem reclama contra Deus, no geral, está pecando! Reclamação é coisa de coração mal-humorado, enfezado, azedo. Há muita diferença entre os dois. No lamento, a alma chora. Na reclamação, a Carne berra. No lamento, uso a poesia, tem profecia. Na murmuração pura e simples, minha principal ferramenta é a blasfêmia. Quando lamento diante de Deus, torno-me discípulo de David, dos Profetas, de Jesus : " Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas, apedrejas os que a ti são enviados! quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintos debaixo das asas, e não o quiseste! ( Mt 23:37 ). Quando reclamo, me vejo filiado ao povo rebelde de Israel, dizendo que a vida no Egito era melhor : " Lembramo-nos dos peixes que no Egito comíamos de graça, e dos pepinos, dos melões, das cebolas e dos alhos. " ( Nm 11:5 )

Não apenas o Livro das Lamentações mas Jó, por exemplo, é quase todo puro lamento, tristeza santa. Praticamente a metade dos Salmos são lamentos diante de Deus. Com exceção de Ageu, todos os Livros Proféticos trazem muito lamento e choro por causa do pecado de Israel ou de alguém em especial. Por que então não lamentamos nos nossos cultos comunitários e devoções pessoais?

A resposta passa por dois itens : primeiro, somos espiritualmente imaturos e emocionalmente doentes. Quem sabe lamentar, quem sabe quando, como e por que abraçar algum luto, é gente madura e sadia, gente crescida. Em segundo, não queremos sofrer... uma pena, pois sem dor não mudamos. Aliás, " só mudamos quando a dor de permanecer os mesmo é maior do que a dor da mudança ! (Scazzero). Já que o sofrimento de certo modo é inevitável, então que seja nossa aliado. Jung, o psicólogo e psicanalista , dizia que " a neurose , a doença emocional é o que toma o lugar do sofrimento que vale a pena ". Negar a dor é aumenta-la, amplifica-la. Fugir da dor de uma perda, de um rompimento, de uma decepção é torna-la permanente e poderosa. Lamente e liberte-se. Siga o exemplo do profeta Jeremias, dos Salmistas, de Paulo e de Jesus! Quando você sentir-se decepcionado com algo ou com alguém, quando for traído, quando a vida for pesada demais, " ponha o seu rosto no pó, talvez ainda haja esperança " ( Lm 3.29 ) . Por coisas minhas, lutas minhas, pecados meus e dos outros, hoje estou de luto.

Gerson Borges
Anônimo disse...

Bom dia, amado Gerson.
Bom estar de volta neste espaço tão rico.
E quanto ao LAMENTO, que lindo saber a diferença entre lamentar e murmurar,amém, valeu.

Também estou de luto por pecados meus e dos outros e meu lamento é em forma de súplica - Senhor, abre nossa visão para coisas que não vemos mas vivemos e ajuda-nos a mudar, porque realmente dói mais permanecer assim, imutável e sofrendo só.

Beijos amado meu.
Soli Deo Glória!

Mário Coutinho disse...

GB, meu querido. Esta reflexão é muito pertinente, penso que você acertou no tema, na abordagem. O lamento está sendo substituído de nossa constituição psíquica por uma construção estética de saúde mental que na maioria das vezes é resultado da pressão da sociedade de consumo, onde todos têm que parecer bem para que o individuo também consiga ver no exemplo de felicidade aparente do outro a possibilidade de manter seu fingimento.
Estes dias, conversando com um colega de classe, que é psicanalista junguiano, falávamos exatamente sobre este tema, e ele disse uma coisa terrível, sobre a maneira que alguns psicólogos têm tratado a depressão em seus consultórios através de indicações medicamentosas, o que em alguns casos é realmente necessário, pois já foi comprovado que em casos sérios de depressões há perda consistente de neurônios, no entanto, a critica é por não envolver no processo de tratamento o enfrentamento das causas interiores que levaram o individuo para depressão.
Ele dizia que a depressão está sendo tirada sistematicamente de nossa sociedade; ignorando que, como a febre denuncia uma infecção no organismo a depressão também denuncia um desalinho emocional e psíquico.
Quando você levanta a questão da supressão do lamento em nossa construção de espiritualidade devocional, particular e mesmo coletiva e congregacional, você denuncia o empobrecimento psíquico de nossa espiritualidade, e ainda, denuncia que nós, à semelhança da sociedade de consumo também estamos desenvolvendo uma cultura espiritual unicamente estética, aparente, visual e para os outros, suprimindo em nós o que, embora seja verdade não é confortável, mas que todavia evidencia nossa saúde mental, pois o mentalmente saudável sorri muito, mas também chora à medida da necessidade, abraça muito mas também se permite o luto e o distanciamento, expressa alegria mas também se permite entristecer-se por razões de sua interioridade.
Uma espiritualidade saudável manifesta tudo isso livre de pressões e estruturas religiosas patológicas, mas sobretudo no conceito luterano do “coram Deo”, diante de Deus, que recebe nossos cânticos festivos mas também nossos lamentos pelos nossos pecados contra ele, contra nossos irmãos, e pelos pecados que outros comentem por não conhecerem o Seu Santo Nome.
Meu irmão, parabéns pelo texto. Oro por ti em teu luto por coisas tuas e espero paciente pelas oportunidades que teremos de cantar nossas alegrias outra vez.
Paz e Bem!
14/03/2008

Anônimo disse...

Por favor querido não pare de nos abençoar aqui. Muito obrigado!!!

Unknown disse...

Muito obrigada por este texto tão esclarecedor Gerson que Deus te abençoe e

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